Eu poderia dizer que Robério é uma das pessoas mais importantes no meio da cena rock/indie/underground (e tantas outras denominações). Unanimidade em todas as tribos, do metal ao hardcore, é tudo isso caladinho, tímido, atrás de um balcão.
Ele é dono da
Música Urbana, uma das lojas de CD’s e Vinis mais importantes da cidade. Algo como a Championship Vinyl (do filme
Alta Fidelidade) de João Pessoa, freqüentado por amantes de música e de todo o seu universo, vendendo e trocando novos e usados.
Quando eu digo que ele é uma das pessoas mais importantes desse meio você pode achar que eu estou exagerando, mas acredite, não estou. Já perdi as contas de quantas vezes ouvi pessoas falando que os melhores CD’s da sua coleção foram adquiridos por lá, que foi naquela loja que ele descobriu tal grupo musical que é fã até hoje, que conheceu alguém, acabou montando uma banda, e que agradecem o espaço que ele abre em frente à loja pra poket shows. Eu mesma devo muito a ele e a Flaviano (antigo funcionário), que me fez criar gosto por muita coisa que hoje levo comigo, desde sons, a livros e idéias. Já perdi a conta de quantas vezes passei horas ali de papo com alguém ou até mesmo enchendo o saco atrás de patrocínio pra algum show ou para meu fanzine. “Todo mundo passa por lá, todas as tribos. O lugar é acolhedor, me sinto à vontade, tem sempre boas novidades novas e usadas”, concorda
Esmeraldo, cabeça da banda
Chico Corrêa, “De vez em quando passo lá pra ver se vendeu algum CD meu, se tem anúncio de equipamento usado, vinis... Ou então pra trocar uma idéia”, conclui.
O lugar é mesmo acolhedor. No centro da cidade, em uma galeria aberta com um preço quase inacreditável. Álbuns importados por R$15,00? Sim, ali tem! Tudo é nessa faixa de preço, pode acreditar. Um lugar pequenininho, com as paredes amarelas, cartazes e quadro de bandas, adesivos e vinis na parede e balcão. Lindo. Tudo é muito pessoal e cheira a música, num clima maravilhoso e um universo à parte. “Eu sempre saio daqui com a cabeça cheia de informações e turbilhando”, diz Rayan, baterista da
Dawn Jones e produtor do
Festival Mundo.
Breve histórico:
Em 1998, quando os MP3 nem sonhavam em ganhar a importância que têm hoje, Robério andava pelos poucos sebos da cidade e nas lojas de música atrás de promoções. Ele estava de saco cheio do seu trabalho (na tesouraria de uma empresa de segurança) e pensava seriamente em montar o que seria hoje a Música Urbana, com algum investimento, um funcionário que parecia uma enciclopédia musical e cerca de 500 CD’s. A idéia deu certo e a loja se destacou no pequeno cenário de novos e usados da época. Com o tempo, camisetas de bandas, revistas e livros foram aparecendo e agregando-se ao produto principal da loja. Por volta de 2002 a Música Urbana ganha uma expansão, tendo uma área especial só para os livros, com a chegada de Rosualdo, que entra como sócio. Literatura clássica, cultura pop, biografias, gibis, filosofia e comunicação... A Música Urbana parecia crescer e tornar-se cada vez mais um ponto obrigatório. Um ano depois, Rosualdo muda-se pra Brasília, e a parte antes ampliada é novamente fechada, deixando a Música Urbana com o tamanho original, como se encontra até hoje.
Na era MP3
Estamos no fim de 2006. Oito anos depois de toda essa história, o grande suporte musical muda de foco.
Soulseek,
torrent,
emule e tantos outros programas pra se ter acesso a musica tornam-se populares e o mercado fonográfico passa por não uma crise, mas por uma mudança. Lojas físicas de música estão ficando cada vez mais raras. Discos não vendem como antes e a Música Urbana, claro, anda sentindo esse efeito no dia-a-dia. E agora, Robério? A festa acabou?
Fui fazer uma visita à Música Urbana essa semana e conversar com ele pra saber como uma loja tão fundamental na história musical de uma cidade faz pra se manter em pé e alimentar um pequeno público que não tem acesso à rede, ou mesmo ainda tem o hábito de comprar e ver encarte. Como era de se esperar, Robério não está nada feliz com essa história. “Nem é só por conta de ser meu trabalho, porque eu posso fazer uma outra coisa. O que eu acho mesmo é que é uma pena as pessoas estarem perdendo o hábito de ir num lugar ver discos, eu acho isso tão importante!”. Quer dizer que a Música Urbana está pra fechar? Perguntei. Ele disse que não, por enquanto ta dando pra sustentar, mas ele acha que isso num futuro próximo vai ser inevitável. “Eu vou tentando como posso. Tive que fazer corte de gastos, não dar mais patrocínio pra shows e demitir Flaviano. Tô vendendo outros produtos que não CD’s, vinis e livros... Temos que encontrar uma solução pra ir levando enquanto pode, porque eu não queria mesmo fechar”. Ele contou que a queda mesmo foi de 2005 pra cá, e agora está tendo que entrar no comercio pela Internet, em espaços como o mercado livre. Há também a idéia de por volta de janeiro instalar dois computadores na loja com acesso a rede e fazer algo como uma lan house. “Tenho que adaptar”, diz Robério.
Conversei também com Flaviano, ex-funcionário (e também vocalista da banda
Star 61), e ele foi bastante categórico em suas colocações. Morre de medo desse super domínio da Internet e teme que as coisas fiquem cada dia mais virtuais. “Essa diminuição das lojas de Cd’s é um reflexo disso. Lojas de músicas tem que continuar. Onde você vai buscar inspirações? Você vir na cidade e dizer que vai dar uma volta na Música Urbana, no Sebo Cultual. Pegar os livros, respirar a poeira... Toda essa história gera influência, é como sentir um perfume que você gosta e te traz lembranças".
A situação é complicada, já bastante discutida, e tudo anda tão confuso que, como Flaviano falou, temos mais questões que respostas. O que posso ver são fatos e uma coisa eu sei: acho realmente uma pena que gerações futuras percam o encanto por um universo tão mágico. Acho pior ainda que essas mudanças sejam tão rápidas e radicais, elas vêm correndo, avassaladoras e realmente revolucionárias. É tudo tão rápido que não dá tempo nem de você achar natural e entender isso simplesmente como uma mudança de tempo, valores e geração. Que lojas como a Música Urbana continuem influenciando muita gente, com o impacto que só um ambiente físico pode ter. Que nos encontremos e façamos amigos em lojas de música, onde as conversas são incríveis e as pessoas interessantíssimas. Que ambientes assim não sejam apenas mais um capítulo de um almanaque lançado em 2030 sobre os anos 90 e inicio dos anos 2000. E que falar sobre isso não seja saudosismo, mas sim algo real, natural. Ê danada de Internet avassaladora.